Dá pra ver isso tudo
nos dias em que você me pede pra buscar o carro na oficina e eu não atendo o
telefone. A sua irritação é visível e você dá o troco quando eu mando alguma
mensagem explicando que fiquei preso no trânsito e que não vou chegar pro jantar.
Você tira a mesa e coloca a roupa de cama na sala pra indicar que o meu lugar
essa noite é ali. E eu desarmo o despertador de propósito. Só de raiva. Você
perde o horário e me chama de infantil. A dor nas costas agradece enquanto
acordo e tenho que comprar o café na rua porque você saiu atrasada.
Vez ou outra dá pra ver isso quando eu
lembro de ser romântico. No caminho de volta pra casa, eu compro umas rosas e
chego de surpresa. Você fica corada de um jeito surpreso. E me manda ficar
quieto durante a sua novela. E a gente pede pizza pra celebrar o dia comum de
hoje. O seu pijama é meio furadinho e a minha calça não tem nem mais o
elástico. Mas você me aceita de volta na cama e a gente dispensa o aquecedor
essa noite. E na manhã seguinte a gente já começa o nosso jogo de gato e rato.
Paga a conta. Deixa as chaves. Almoço com meus pais às 13h. Não vai dar. Você é
sempre egoísta e nunca pode. Depois eu dou um jeito. Não precisa, eu vou
sozinha. Tchau. Vai logo.
Dá pra perceber de
longe quando a sua secretária me atende e me chama pelo seu sobrenome. A gente
não tem aliança de ouro nos dedos, mas todo mundo na rua percebe. O cara do
café da esquina sempre pergunta sobre você e eu digo que depende do tempo. Você
diz que o meu humor é esquentadinho pra menina da depilação. Ela mesma já me
chamou pelo apelido quando ligou aqui pra casa. Você mandou a faxineira jogar
meus gibis fora e eu bati a porta com muita força. Era a sua TPM e você me
chamou de grosso. Mas você é meio estúpida assim como eu digo mesmo. Até aquela
sua amiga de escola percebe quando vê a gente uma vez por ano. Minha mãe
percebe tanto que já liga direto pra você pra trocar receitas. Embora eu ache
que vocês passam a maior do parte reclamando de mim e do espaço que a minha
coleção de carrinhos ocupa no quarto. Você me chuta de noite e eu quase caio da
cama. É meio egoísta da sua parte dormir com o cobertor todinho pra você. E eu
sinto cócegas nos pés, poxa. Não vale brincar assim porque eu vou revidar com
cócegas na sua barriga. E daí a gente ri às duas da manhã e tenta parar de rir
mesmo com o vizinho do andar de cima mandando a gente calar a boca. Mas até ele
deve perceber.
Seria redundante demais ficar jogando com palavras. Então deixa isso
pra lá. Dá pra ver de longe que a gente não precisa dizer “eu te amo”.
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